segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Icó por Marquinhos / O Povo‏


O coiffeur Marquinhos atendeu a equipe no chic salão da Dom Luiz (RAFAEL CAVALCANTE)

Marcos de Oliveira vez em quando olha pra você de esguelha, enquanto fala, e sorri ao final da frase. Provavelmente estava falando de alguma descoberta que teve na vida, ou sobre fantasia e sonho – desses que se faz em palcos e espetáculos, na brincadeira do carnaval de rua, nas festas religiosas, nos rituais de passagem. E descobertas sobre o homem, as formas de vida, os aprendizados. Em alguns momentos escorrega as mãos pelos cabelos. “Ser alguém melhor é algo pelo qual eu vivo agora”, concluiu o Marquinhos, cabeleireiro dos mais procurados na cidade.
Antes que chegasse ao ponto final, a conversa que tive com ele, na tarde da última quarta-feira, no salão que mantém na avenida Dom Luís, passou por histórias curiosas, a última viagem, a devoção ao carnaval, a paixão pelo teatro. De tempo tomado pelo trabalho ou pela preguiça, Marquinhos não lê o tanto que gostaria, mas viaja o quanto pode. Passa alguns momentos sozinhos, porque é preciso essa reconciliação, e se preocupa com algumas questões práticas, como o excesso de plástico no mundo. “Já pensei em sair todo vestido de plástico, dizendo pras pessoas: olha no que nós vamos nos transformar”.

TEMPO DA FELICIDADE



Quando criança, na Duque de Caxias, via os pais se distanciar na brincadeira do maracatu enquanto um estranho olhava por ele e os irmãos – “naquela época, na metade da década de 60, não tinha perigo”. E talvez por ser passado, é ainda mais bonito do que se pode explicar: “Pra mim, o carnaval sempre foi o tempo da felicidade”. Aprendeu com o avô, Chico Imediato (o mecânico Francisco Barros de Souza), a fantasiar em fevereiro. “Ele fez uma viagem a Recife e lá conheceu o maracatu. Quando voltou, resolveu montar aqui também, já tinha envolvimento com grupos populares. Tenho uma lembrança muito forte da minha avó cuidando das fantasias”.


ESCOLA DO CORAÇÃO

No Rio de Janeiro a passeio, chegou, através de um amigo, a Joãozinho Trinta. E deu um salto até um dos carros alegóricos da Beija Flor, escola do coração – contava então 18 anos. “Desde aquele carnaval, em 1981, foram 26 anos que eu desfilo. Só não fui em quatro anos, por motivos de força maior”, conta. Chegou a articular com nomes fortes de lá e de cá uma homenagem ao centenário de Juazeiro do Norte, para ser cantado no samba enredo da escola. “Não foi dessa vez, mas lá tem motivo a toda hora pra justificar a escolha”. Nesse 2011, com Roberto Carlos como tema, ele sobe no carro da Jovem Guarda.

A TRANSCENDÊNCIA DO TEATRO

Do teatro também não se distancia. De 2010, viu En Passant, do Grupo Bagaceira, que muito lhe marcou, e tantos outros que adorou. “É no teatro que se vai fundo nas questões do homem. Não digo tanto do homem solitário, mas naquele que escuta o que há de mais profundo dentro de si”. São também, ele fala, possibilidades de brincar entre o real e o irreal, de transcendências. Seria ator, se quisesse viver do/para o teatro. “Em Icó, subi no palco do Teatro das Ribeiras dos Icós e percebi algumas formas de comunicação entre o ator e a plateia”, disse, fascinado.

INDESCRITÍVEL

Foi em Icó, aliás, que encontrou 2011. A festa de Réveillon de lá, um festeiro popular bonito de se ver, caloroso, excitante. “Qualquer descrição que eu faça você não vai conseguir ter a ideia completa”, admite. Ele viu, de cima de um sobrado, o que descreveu como um “foguetório armado”, pela rua na extensão de um quarteirão ou mais, enquanto os homens corriam pelas tochas. Conta ainda que a família que mantém a tradição é hoje formada por três travestis. “E um hétero! Ainda bem, se não ia ter continuidade!”, ri outra vez. “Se eu tivesse vivido só esses três dias no Ico, já seria o suficiente”.

FONTE:
Júlia Lopes é repórter do Núcleo de Cultura e Entretenimento.

julialopes@opovo.com.br

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