quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sobre o "Forró de Plástico" II



Forró de plástico
CHICO CÉSAR SOLTA O VERBO E ABRE CAMINHO PARA A DISCUSSÃO SOBRE A
INDÚSTRIA CULTURAL DAS ATUAIS BANDAS DE FORRÓ DO NORDESTE – E SOBRE A
INFLUÊNCIA DO JABÁ NO SEU SUCESSO
24 de Abril de 2011 às 17:39

Khalil Gibran
Estava eu na cidade de São Paulo, em 2005, quando surgiu, durante uma
palestra sobre o mercado fonográfico com o querido Ronaldo Lemos,
representante do Creative Commons no Brasil, em meio à exposição de
exemplos bem sucedidos da música independente, uma explanação sobre o
quão sofisticada era a maneira de trabalhar das bandas de forró do
Nordeste. Começava aí um dos grandes equívocos da música brasileira.

Para iniciarmos este assunto, vale ressaltar que nem sei até que ponto
podemos chamar de “forró” essas manifestações musicais. Uma vez que os
elementos que caracterizaram o ritmo ao longo da nossa história, na
maioria dessas produções, inexistem ou são totalmente coadjuvantes. É
o caso da sanfona, do triângulo, do pandeiro, do zabumba e,
principalmente, dos elementos culturais tão singulares da região
Nordeste que permeavam com sintaxe ímpar as letras das canções.

Outra coisa que queria deixar bem clara é que não tenho nada contra
nenhum tipo de produção musical. O que acho injusto é quando há a
exclusão de uma grande maioria de bons artistas em detrimento de uma
indústria, como é o caso que vou tentar esclarecer aqui.

Meus queridos leitores, a manifestação cultural do atual forró
nordestino é uma falácia. Não existe essa manifestação. Existe uma
indústria bem montada, que aprendeu direitinho a lição do jabá e do
jogo de influência. Então, sugiro que tirem as crianças da sala para
os casos que vou contar.

Um grande número de rádios comunitárias se instalaram no interior do
Nordeste nos últimos anos. O problema é que de comunitárias muitas
dessas rádios não têm nada. Uma vez que uma grande parcela foi
concebida por políticos para seus fins eleitoreiros. Nestas, é comum a
prática de escandalosos contratos com “bandas de forró” para garantir
a execução das suas músicas. O mesmo acontece com as rádios oficiais
que, não custa lembrar, funcionam com uma concessão pública. Essa
prática também se estende às tvs locais de várias grandes cidades da
região.

A outra parte da história pode parecer piada, mas Freud explica. Uma
ação encabeçada pelos chamados “paus pequenos” – como são
identificados pelos que os repudiam – divulga essas produções em
grandes equipamentos de som, conhecidos popularmente como “paredões”.
Nesse caso, as músicas, em geral, fazem apologia ao comportamento
machista e ao consumo desmedido de álcool, tudo para combinar com a
personalidade dos atores que tentam chamar a atenção das pessoas
ligando seus sons no último volume, a qualquer hora, em qualquer lugar
e dançando bêbados e imbecis na carroceria de suas pick-ups. Para
“quem” e o “que” eles querem provar? Não me perguntem. Porém, agem
como verdadeiros soldados do exército do mau gosto e da falta de
respeito.

Diante de toda essa presença nos meios de comunicação existe para o
restante do país uma falsa impressão de que tudo é um belíssimo
movimento espontâneo cultural. Uma mentira. A indústria que existe em
torno dessas bandas é bem articulada e excludente.

Recentemente, o secretário da cultura do Estado da Paraíba, o cantor e
compositor Chico César, causou grande polêmica ao afirmar que o
governo não contrataria as bandas de “forró de plástico” para tocar
nas tradicionais festas juninas do estado. O secretário explicou em
várias entrevistas que artistas locais da cultura paraibana já eram
excluídos por essa mesma indústria o ano inteiro, lembrando que as
rádios muitas vezes não cumpriam com seu papel social, mesmo tendo uma
concessão pública. Afirmando ainda que essas bandas de forró já se
beneficiam do próprio mercado, não necessitando de apoio
governamental. Chico esclareceu ainda que nomes como Mestre Fuba,
Vital Farias, Biliu de Campina e outros grandes artistas paraibanos,
ficam totalmente fora de todas as programações. “A gente precisa
trazer poder para esses artistas nas nossas festas, valorizá-los, e
precisamos trazer poder também para os grupos de cultura popular”,
afirmou o secretário, enfatizando que muitos desses músicos são
tratados como se fossem “qualquer coisa” quando, na verdade, são
gênios da nossa música.

Diante da polêmica, gerada obviamente por aqueles que têm interesses
extremamente comerciais nos eventos paraibanos e nordestinos, vários
artistas se manifestaram em favor de Chico César. Nomes como Alceu
Valença, Arleno Farias, Chrystal e Zeca Baleiro declararam apoio pela
internet ao artista e secretário.

Aqui no Ceará cresci vendo acontecer exatamente o mesmo processo.
Artistas locais sendo sempre desvalorizados em detrimento de projetos
forjados com jabás e mídias televisivas. Eventos como o famoso “Férias
no Ceará” gastam uma quantidade exorbitante do dinheiro público com
bandas que vêm do sudeste do país, enquanto os artistas cearenses são
escalados para abrir seus shows, muitas vezes covers das mesmas bandas
que tocarão depois deles.

Sendo eu um conhecedor não passivo de todo esse descaso e enquanto
artista e produtor cultural brasileiro, resolvi, após falar com o
próprio Chico, também declarar publicamente meu apoio ao cantor,
compositor e secretário da cultura. Não se trata de protecionismo ou
de preconceito, trata-se de responsabilidade cultural e compromisso
com a memória, difusão e produção cultural brasileira.

Parabéns ao Estado da Paraíba. Nosso Brasil precisa de mais
secretários da cultura com coragem de fazer o que tem que ser feito e,
principalmente, de enfrentar as turbulências que essas transformações
podem provocar.

Khalil Gibran é cantor e compositor

http://twitter.com/#!/khalilgoch

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