terça-feira, 15 de março de 2011

Feliz aniversário Patativa! *


Em 5 de março de 1909, nos rincões da Vila de Assaré, mais precisamente em Serra de Santana, vinha ao mundo o menino Antônio Gonçalves da Silva. Filho dos modestos agricultores Pedro Gonçalves da Silva e de Maria Pereira da Silva que desde cedo ensinaram o pequeno Antônio a molhar o solo com o suor do rosto.

Ao que parece, o destino do pequenino já viera traçado desde o ventre materno. Para ele parecia estar guardado o desditoso quinhão do cabo da enxada. Rodeado da pobreza sertaneja, tinha a saúde tão comprometida que já no primeiro ano de vida tivera a visão do olho direito furtada por um sarampo agravado por uma infecção ocular.

Este destino certamente se cumpriria se não fosse o menino Antônio Gonçalves da Silva o Patativa do Assaré. E como ele fazia questão de dizer: Nordestino sim, Nordestinado não. Além da coragem inata ao sertanejo forte do interior do Nordeste, a Natura lhe reservou uma admirável particularidade: o dom de ser poeta.

Desde cedo, Patativa sentia uma atração especial pelos sons da Natureza. Passava horas ouvindo o canto dos pássaros e sentia nisso intensa satisfação. Seria uma vocação latente pronta para despertar, como ele mesmo diz ao biógrafo Carlos Henrique Andrade:

“Quando eu tinha apenas oito anos que nem era alfabetizado ainda, foi quando eu vi pela primeira vez uma mulher ler um folheto de cordel... então eu fiquei maravilhado com aquilo, com aquela linguagem tão bonita... aquelas rimas combinando umas com as outras! Então, daquele momento em diante, pude conhecer que poderia reproduzir, também em versos, qualquer coisa que eu quisesse...”

Passou-se o tempo, e Patativa, já adolescente, frequenta a escola por quatro meses. O suficiente para, mesmo rudemente, aprender a ler e a escrever. O jovem de 12 anos ganha asas, saem os primeiros poemas...

A intimidade com a linguagem escrita dá vazão à imensa criatividade de Patativa. Sua mãe, percebendo a inclinação do filho pela poesia, vende uma ovelha e com o dinheiro apurado compra- lhe uma viola. O jovem poeta de 16 anos, agora munido deste instrumento, participa de desafios de viola em Assaré e em cidades vizinhas, ganha desenvoltura no versejar de repente e aprimora a sua arte poética.

Apesar do crescente reconhecimento e das gorjetas que ganhava nos festivais de viola, a arte de Patativa não podia se limitar às sextilhas, às décimas, ou ao galope à beira-mar das cantorias. O poeta, então, recosta um pouco a viola e se dedica com maior força à poesia.

Amadurecido em sua arte e encorajado por amigos do meio literário, Patativa publica alguns poemas em jornais de Fortaleza. Reuniu outros e publicou-os na forma de livro. Inspiração Nordestina, de 1956, foi seu primeiro título.

Foi recitando seus versos e publicando livros que Antônio Gonçalves ganhou projeção em todo o Norte-Nordeste do país. E pelo modo espontâneo e sonoro de versejar, ele ganhou o apelido de Patativa, em referência à pequena ave típica do nordeste de canto agradável e harmonioso. Em menção a sua terra natal, à alcunha Patativa acrescentou o “do Assaré”, registro de sua origem.

A crença de que Patativa era pouco mais que analfabeto, deve ser vista com ressalvas. Na sua biografia, encontram-se registros de que, enquanto lhe permitiu a visão mono-focal, foi leitor assíduo e particular admirador de clássicos da literatura, como Castro Alves, Camões e Machado de Assis. Não foi à toa que Patativa também produzia versos em linguagem erudita como Caboclo roceiro:

“(...)Caboclo roceiro das plagas do norte,
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o teu pranto, me ponho a chorar.
Ninguém te oferece um feliz lenitivo,
És rude, cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola
Teu braço é a mola que move a cidade(...)”

Mas a poesia de Patativa ficou famosa por utilizar a linguagem “matuta” e por ressaltar com afinco a temática camponesa, as diferenças de classes sociais e as injustiças de que ele era testemunha. Este modo de escrever rendeu ao poeta grandes glórias, mas também lhe causou tristezas.

Certa vez, patativa necessitou regularizar alguns documentos de uso particular e para tanto, precisava da assinatura do prefeito de sua cidade. No entanto, depois de se dirigir várias vezes à prefeitura sem encontrá-lo, Patativa escreveu o poema Prefeitura sem prefeito:

“(...)Ainda que alguém me diga
Que viu mudo falando
E um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga.
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem Prefeito(...)”

Por ter escrito esse poema Patativa foi preso.

Se vivo fosse Patativa completaria no último dia 5 de março 102 anos. Além da poesia de reconhecida qualidade, o poeta passarinho deixou-nos o exemplo de simplicidade e de enérgica crítica às iniquidades sociais, comuns no sertão. Então, em retribuição só nos resta desejar: feliz aniversário Patativa!


FONTE:
* Texto escrito e enviado pelo advogado Heitor Amorim Muniz - E-mail: heitorico@hotmail.com
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